As cavernas, no imaginário popular, reúnem uma infinidade de mistérios, misticismos e lendas. Imergir nestes locais às vezes vai muito além do que apenas romper a forma geológica da cavidade rochosa. É preciso entender as histórias seculares que as envolvem, como acontece na Gruta Casa de Pedra, em Itatira, interior do Ceará localizado a 163 km da capital.
O local, que hoje é um Sítio histórico tombado pelo Iphan, abriga a lenda de que uma princesa indígena encantada vive dentro desta caverna. O nome “casa de pedra” faz referência à forma em que a gruta seria dividida, assim como uma residência, com quarto, – que seria o da princesa – cozinha e sala.
Segundo a lenda, os homens que entram dentro desta caverna à procura da princesa nunca mais retornam e, aquele que conseguir passar uma noite lá dentro e desencantar a princesa, a Casa de Pedra se transformaria em um castelo. A lenda ultrapassou gerações e tornou o local um dos principais pontos turísticos da cidade.
O pesquisador em cultura popular, escritor e gestor cultural em Itatira, Marcos Lennon Jucá Lopes, explica que dentre as três lendas ligadas à Casa de Pedra, a da princesa encantanda é a mais contada e difundida em Itatira.
“Essa relação de grutas e princesas é um fato muito comum no imaginário local, devido às diversas cavidades em pedras encontradas no Município. A cidade abriga curiosidades e lendas únicas, como esta”, detalha Lennon.
O estudioso diz que a lenda nasceu a partir da existência de duas tribos da região, ambas rivais. “Em certo período, um indígena de uma tribo acaba se apaixonando por uma indígena da tribo rival, algo perigoso e incomum nesse período, visto a briga por território à época”.
Com a paixão ficando cada vez mais forte, os dois se encontraram e decidiram fugir para viver o amor até então proibido. Foi quando encontraram a Gruta, como abrigo do tempo, espaço de privacidade e proteção quanto aos males e as perseguições de ambas as tribos.
MARCOS LENNON JUCÁ LOPES
Pesquisador em cultura popular
Outras lendas
Apesar de a história da princesa ser a mais difundida e a responsável por atrair moradores e turistas ao local, a Casa de Pedra tem outras duas lendas que atravessam gerações: cobra de ouro e quarto escuro. “Muitos caçadores e antigos moradores da região relatam que todas as noites, a partir da meia noite, a cobra se transforma em uma grande corrente de ouro”, diz o pesquisador.
Ainda conforme Lennon, há relatos de que à noite, é possível ouvir barulho de corrente transpassando pelas cavidades da caverna. “Esse som assusta e, por isso, poucos conseguem passar uma noite inteira na gruta”, completa. Outra lenda é a do quarto escuro.
“Neste lugar, não chega nenhum tipo de luz, seja ela natural ou artificial. Quem já tentou entrar na caverna e foi até o quarto conta que é impossível ver alguma coisa e quando se tenta acender qualquer tipo de objeto por lá a luz se apaga. É uma incógnita pois ninguém consegue explicar o porquê de nenhuma luz sobreviver lá”, relata o pesquisador.
Importância reconhecida
Para além desta riqueza popular, com lendas que ultrapassam gerações, a caverna contempla aspectos históricos que a tornam relevante ao ponto de ter sido transformada em uma Unidade de Conservação (UC).
Criada em 2020, com área total de 65,5 hectares, a criação da UC visa a proteção do patrimônio histórico e arqueológico da região, além das riquezas naturais, assim como incrementar o turismo e garantir o desenvolvimento econômico e sustentável da região.
“Ela abriga gravuras pré-históricas raras”, pontua Lennon Lopes, secretário da Cultura de Itatira. As gravuras de figuras humanas estão em paredes de mármore e, apesar de não existir ainda uma datação concreta, pesquisadores apontam que podem ser os mais antigos registros rupestres do Ceará.
A partir desta formalização da criação da UC, a Gruta Casa de Pedra passou a ser uma área de proteção integral, ou seja, fica terminantemente proibida atividades de uso com seus recursos naturais, como, por exemplo, obras civis de terraplanagem, abertura de estradas, e outras atividades que possam, sem justificativa, alterar ou modificar os bens naturais protegidos por lei.
A criação da Unidade de Conservação tem a premissa ainda de fomentar a conscientização da população no que se refere a preservação do patrimônio ambiental, cultural, arqueológico, histórico e geológico, bem como a importância da área para a pesquisa científica.
Diário do Nordeste