Enquanto boa parte dos brasileiros se preparava para pegar a estrada na folga carnavalesca, a Folha de S. Paulo aproveitou a carona para se despedir do Facebook.

Comentários de leitores sobre a decisão da Folha de S. Paulo de sair do Facebook deixaram claro que, antes de se pensar em combater notícias falsas, é preciso recuperar a noção do que é notícia.

Um dos maiores jornais brasileiros — e um dos que mais tem seguidores na rede social do Mark — decidiu parar de atualizar sua página devido às mudanças mais recentes do algoritmo, que passa a privilegiar conteúdos de amigos e familiares.

O anúncio provocou um verdadeiro Carnaval de opiniões (fundamentadas ou não) e previsões sobre as eventuais consequências do movimento da Folha para o mercado jornalístico brasileiro. Mas a verdade é que o leitor “médio”, aquele que curte a página da Folha no Facebook só para ler as manchetes e partir para os comentários, não está nem aí para essa discussão. E é sobre isso que precisamos falar.

Acontece que o neologismo/estrangeirismo “fake news”virou sinônimo para um monte de coisa que ninguém sabe o que significa

A expressão gringa se espalhou como vírus pelo noticiário internacional em 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente dos Estados Unidos. Ele ajudou muito a confundir as coisas, diga-se de passagem. Afora as revelações de que desde jovens macedônios até o governo russo ajudaram a espalhar notícias falsas pró Trump nas redes sociais, o então candidato republicano também fazia o favor de classificar como “fake news” toda e qualquer informação crítica à sua candidatura divulgada por veículos de comunicação tradicionais (a rede de televisão CNN foi um de seus principais alvos).

Ao ler os comentários dos leitores da Folha, em tese, “curtidores” da página, sobre a decisão do jornal de deixar de atualizar o perfil chamou minha atenção a quantidade de postagens que “agradecia”, pois assim haveria menos “fake news” na sua timeline. Como assim?

Sabe-se que boa parte dos comentaristas de redes sociais é, antes de tudo, um hater. Mas nesse caso me parece também que os comentários de leitores sobre a decisão da Folha de sair do Facebook deixaram claro que, antes de se pensar em combater notícias falsas, é preciso recuperar a noção do que é notícia. Existe uma diferença entre notícia falsa, notícia desagradável e notícia mal escrita.

O professor Eugênio Bucci, da Escola de Comunicação da USP, tratou de refinar a tradução do termo “fake news” em uma recente entrevista para o jornal O Povo. A tradução, aliás, é atribuída a outro professor, Carlos Eduardo Lins da Silva, do Instituto de Relações Internacionais da USP. Ao invés de “notícia falsa”, eles defendem a compreensão de “fake news” como “notícia fraudulenta”.

“Não se resume à publicação de informações incorretas ou informações não factuais. Nós estamos diante de uma usina de produção de notícias fraudulentas, que são forjadas com aparência de ser jornalística confiável, mas não são, com o propósito de fraudar os processos decisórios das democracias. Isso quer dizer que a expressão fake news designa uma notícia fabricada com má intenção, que se vale do aspecto de uma notícia jornalística com o propósito de enganar o público. É muito diferente, portanto, de um erro jornalístico, coisas que acontecem todo dia. Uma boa redação jornalística quando comete um erro, ela procura se corrigir.” (Eugênio Bucci, 2018)

Recomendo a leitura da entrevista na íntegra, mas o trecho acima é suficiente para pontuar a discussão deste texto, o primeiro de uma série sobre “fake news”. Serão quatro, no total (mais detalhes no rodapé).

Uma das grandes contribuições do Facebook (#contémironia) para o mercado jornalístico é que, ao expor nas nossas timelines posts de familiares e amigos, notícias e propaganda, tudo junto e misturado, tornou-se muito difícil diferenciar informação de opinião, fato de boato, papo sério de piada.

A “zoeira” das redes sociais faz parte da vida, o problema é que ela realmente passou dos limites. E o jornalismo deu sua parcela de colaboração nos últimos anos. Em busca de cliques, porque afinal os likes valem mais que dinheiro na era da internet, “os 10 memes mais divertidos sobre qualquer assunto irrelevante” viraram notícia na mídia tradicional. Some-se a isso o descontentamento da sociedade contemporânea com todas as instituições sociais e instâncias representativas, das quais a imprensa historicamente foi muito próxima, para não dizer cúmplice, sob certos aspectos. Em parte, pode-se concordar que o jornalismo não se ajuda. Mas parece que o momento exige resgatar o que sobrou de seus princípios.

Para resumir: notícia é um relato sobre a realidade cotidiana construído segundo uma série de princípios compartilhados pelos jornalistas, que incluem facticidade, relevância, interesse público, pluralidade, entre outros.

Portanto, notícia nem sempre nos agrada. Uma notícia não necessariamente reafirma nossas convicções. Pelo contrário, pelas notícias somos expostos ao contraditório. Classificar como “fake news” aquilo de que discordamos é, no mínimo, imprudente. A dúvida é a mãe da aprendizagem.

Contudo, pode haver muita notícia mal escrita por aí.

Seja por erro de apuração ou mesmo de interpretação (sim, relatar um acontecimento perpassa caminhos interpretativos, sujeitos ao equívoco do indivíduo que observa e relata), seja por outros tipos de interesses que contaminem o noticiário. Mas isso também não é “fake news”. Pode ser apenas um erro, que, no caso de um jornalismo sério, será assumido e corrigido assim que percebido. Ou então é um desvio ético do jornalista, o que já é outra questão.

Nordeste Notícia com conteúdo de Taís Seibt (Trendr)

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