As facções criminosas atuam a partir de uma complexa estrutura em Fortaleza e no estado do Ceará. Ainda que tenham discursos de igualdade e que seus membros são irmãos, na prática, existe uma ordem vertical que os integrantes em posições subalternas precisam cumprir à risca sob risco de sofrerem punições — o que pode incluir a perda da própria vida.
As facções que agem no Ceará criaram inúmeras células, quadros, setores, “sintonias”, “conselhos”, “resumos”, etc. Para quem está de fora, trata-se de um emaranhado de difícil compreensão. E, a cada investigação policial, as forças de segurança descobrem novas configurações perante, sobretudo, o anseio das facções de esconderem suas atividades e criarem novos esquemas.
O POVO relembra as principais investigações feitas pelos órgãos de segurança do Estado que desnudaram a forma de agir das principais facções que atuam no Estado. Confira:
Facção Comando Vermelho (CV)
Conforme investigações da Delegacia de Combate às Ações Criminosas Organizadas (Draco), a maior instância da facção Comando Vermelho (CV) no Ceará é chamada de Conselho Permanente.
Um “salve” encontrado em 2021 no celular de um ex-integrante da facção diz que há 13 “conselheiros permanentes”, mas, reclamava-se, apenas três têm “voz ativa”: Douglas Honorato Alves, conhecido como Velhinho ou DG; José Mário Pires Magalhães, o ZM; e Max Miliano Machado da Silva, conhecido como Piu Manaus.
Este último, quando foi preso, em fevereiro de 2022, foi apontado pela Draco como a maior liderança do CV no Estado. Já os outros dois continuam em liberdade; informações policiais apontam que eles estariam escondidos em comunidades do Rio de Janeiro.
Além dos “permanentes”, investigação de 2023 da Draco mostra que existem outros “conselhos”, responsáveis por inúmeras tarefas, como cadastro de “biqueiras” (ponto de venda de drogas, onde também há a “inscrição” de novos integrantes); organização das finanças da facções e planejamento de ações criminosas; e resolução de conflitos internos.
Confira abaixo o organograma da hierarquia do CV feito pela Draco durante uma das fases da operação Guilhotina. Na ação, foram destacados alguns alvos e suas funções dentro da facção, incluindo Valeska Pereira Monteiro, conhecida como “Majestade”, presa em 2021.
Facção Guardiões do Estado (GDE)
Na Guardiões do Estado (GDE), os principais chefes da facção estão no chamado Conselho Final. De acordo com o ex-titular da Draco, em monografia de pós-graduação, essa célula responsável por ditar os rumos da facção tem 13 integrantes.
Há ainda um grupo mais seleto dentro do Conselho Final: a Sétima Torre. Eles são os fundadores da organização, conforme o Relatório de Inteligência (Relint) nº 364/2020/Coint/SAP.
Já houve ocasiões em que a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) anunciou que toda a cúpula da GDE havia sido presa. Porém, o que se percebe é que, após a prisão das lideranças-mor, novos integrantes ascendem na hierarquia.
Prova disso é a prisão de Francisco Lucas da Silva Pereira, em março de 2023, quando ele foi apontado pela Draco como nº 1 da facção ainda em liberdade.
Depois do Conselho Final, o delegado Harley Filho traça o “Conselho Geral” como instância subsequente. Seus 13 integrantes seriam responsáveis pelas questões financeiras da facção, pelas ações de guerra e por julgar questões internas da facção.
Abaixo do Conselho Geral, viriam os “Legionários” e, daí em diante, diversas células responsáveis por variadas atividades do grupo, além das “sintonias” de cada localidade.
Confira abaixo o organograma da GDE feito por Harley Filho a partir de informações da Draco:
Facção Massa Carcerária (também conhecidos como Neutros, Massa, Tudo Neutro, TDN e MC7)
Mais recente facção criminosa em atuação no Estado, a Massa ainda é a organização com menos informações disponíveis sobre sua estruturação. Entretanto, investigações que se debruçaram sobre o grupo já indicaram algumas características de como se organizam.
Como os Neutros surgiram de CV e GDE, alguns de seus membros não se consideram como integrantes de uma nova facção. Eles se entendem como criminosos independentes que responderiam apenas aos “donos” das comunidades — ou seja, aos chefes locais do tráfico de drogas.
Um dos motivos que levaram ao racha no CV foi uma acusação de que áreas de “donos” — pessoas que “guerrearam por ela” —, estavam sendo “tomadas” pela facção e “entregues” a faccionados estranhos ao local. Desta forma, os chefes locais teriam rompido com o CV para agir por conta própria, sem reportar-se a nenhuma instância superior.
Entretanto, a Draco já identificou graduações e posturas semelhantes às dos rivais. Investigação de 2022 aponta Renan Lemos dos Santos, conhecido como Galo Cego ou Grêmio, como “conselheiro” da facção na Grande Messejana, braço direito de dois dos chefes da facção na região.
Além disso, na Grande Messejana, os Neutros estabeleceram aliança com o Primeiro Comando da Capital (PCC).
Já os Neutros de Caucaia se estruturaram a partir da chamada Tropa do Mago, referência a Francisco Cilas de Moura Araújo, preso em 2020. Ex-chefe do CV em Caucaia, Mago teria rompido com facção em 2021, ocasião em que criminosos de 21 comunidades também decidiram deixar o grupo carioca.
Aliado de Francisco Cilas, Alban Darlan Batista Guerra foi morto em 2020. Ele era o criador do Comando da Laje (CDL), organização criminosa que agia sob a bandeira do CV na região do bairro Padre Julia Maria, em Caucaia. O CDL prosseguiu existindo após a morte do chefe e também deixou a facção, em 2021, mantendo-se, porém, aliado à Tropa do Mago.
Facção Primeiro Comando da Capital (PCC)
O PCC, por sua vez, se estrutura no Ceará a partir da “Geral do Estado do Ceará”. Maior facção nacional, o PCC tem uma dessas células em cada estado do País ou mesmo em outros países onde a facção atua, como Paraguai ou Guiana.
A partir da Geral do Estado, que se reporta à cúpula nacional da facção, existem outros vários setores, que estão sujeitos a essa liderança, mas que têm variadas funções. Em alguns casos, estão compartimentados de forma a evitar vazamentos.
Preso em 2017, um homem apontado à época como integrante da Geral do Estado descreveu à Draco como funcionava essa hierarquia, no contexto da operação Profilaxia. O homem disse ser “responsável por receber todas informações sobre ações que serão praticadas no Estado, principalmente ações praticadas no interior do sistema penal cearense”.
Ele receberia informações do “geral do sistema”, ou seja, dos responsáveis pelos faccionados que estão presos. Também se reportava ao geral do Estado o “geral das gravatas” — responsáveis por contratar advogados para integrantes da facção.
Entretanto, conforme afirmou em depoimento, a arrecadação e repasse do dinheiro obtido com o tráfico eram de responsabilidade do “resumo disciplinar do progresso do Estado”, que se reportava não ao geral do Estado, mas à cúpula nacional do PCC.
“O declarante esclarece que quanto aos indivíduos que estão na rua, estes são comandados pelo ‘Geral da Rua’ […] Que, no organograma da facção, estão subordinados ao ‘Geral da Rua’ o ‘geral do interior’ […] e os ‘regionais’ que são os responsáveis pela ‘quebrada’ onde o PCC atua”, consta no depoimento do homem.
Veja o organograma do PCC no Ceará elaborado pela Draco durante a operação Profilaxia:
O Povo