Basta chover após o mês de agosto no Ceará que os comentários se direcionam para um só termo: “Chuva do Caju“. No entanto, o termo não tem sustentação científica. O que há, apenas, é uma coincidência dessas precipitações após a estação chuvosa com a época da floração do caju. Mas, na prática, qual o impacto dessas chuvas na produção do caju?
O imaginário popular considera que essa pluviometria é importante para o desenvolvimento do fruto. Já estudiosos apontam que não é bem assim. Para Marlos Bezerra, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), “as chuvas mais atrapalham do que ajudam“.
A explicação, ainda conforme ele, é simples: quando há um grande volume pluviométrico, o fruto não se desenvolve da forma correta e, como agravante, há possibilidade do surgimento de fungos que são nocivos à produção.
“Para uma boa safra [do caju] é preciso que as chuvas sejam intensas ao longo do primeiro semestre e, no segundo semestre, é necessária uma janela sem precipitações, para que a ocorra a indução floral. Nesse período de floração o ideal é que ocorra um déficit hídrico”, detalha Marlos.
Quando há o combinado de chuvas, queda nas temperaturas no período noturno e umidade alta, a floração é prejudicada. “E surgem os fungos“, acrescenta o pesquisador da Embrapa. Ele aponta que as chuvas no segundo semestre só são positivas para o caju quando os volumes no primeiro semestre são diminutos. O que não foi o caso neste ano.
“Em 2022 já temos uma importante questão a considerar, que foi o prolongamento das chuvas. Desta forma, já temos uma janela menor de déficit hídrico. Se as precipitações pararem agora e só retornarem no próximo ano a safra não será tão prejudicada. Mas, se começar a chover em dezembro, diante desta curta janela sem chuva, a floração é impactada”, reforça Bezerra.
Como neste ano as chuvas entraram no segundo semestre, o que se observa hoje são muitas flores e poucos frutos. Teremos uma safra tardia, mas um safra que deve seguir a projeção de crescimento iniciada em meados de 2018.
MARLOS BEZERRAPesquisador da Embrapa
Apesar dessa constatação científica, Marlos salienta que não é qualquer chuva que é danosa ao cajueiro. “Se fo uma chuva de um dia, não tem qualquer impacto. Mas quando os volumes se arrastam, para dois, três dias, já há considerável dano à floração”, acrescenta o pesquisador da Embrapa.
Aumento nos custos
Para além do impacto negativo ao cajueiro, as chuvas do segundo semestre podem impactar diretamente no custo de produção. Diante do surgimento de fungos, o produtor se ver obrigado a usar defensivos agrícolas, o que aumenta o preço para o produtor. “São produtos caros”, pontua.
“O ideal, no que se refere a safra, é que essa famosa ‘chuva do caju’ não se estenda. Se assim for, poderemos ter uma boa safra. É importante destacar que durante a mais recente grande seca (2012-2018) a produção teve uma brusca queda e começou a se recuperar somente em 2018. Em 2021 tivemos uma safra baixa, mas, neste ano, as expectativas são boas”, conclui Marlos.
Conforme a Embrapa, o Ceará tem duas grandes e importantes áreas produtoras. O litoral oeste, com destaque para as cidades de Cruz, Jijoca de Jericoacoara e Bela Cruz, esta última sendo a mais importante do Estado. E o litoral leste, nos quais os destaques são os municípios de Aracati, Cascavel e Beberibe.
Chuva do Caju
A famosa “Chuva do Caju” é a primeira chuva depois da pós-estação (junho/julho). Geralmente tem início em meados de setembro e se entende até abril do próximo ano. A Chuva do Caju é um fenômeno que acontece por causa da frente fria que vem do Sul do País somado a áreas de instabilidades.
Segundo a gerente de meteorologia da Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme), Meiry Sakamoto, a frente fria quando converge com as altas temperaturas pode causar as chuvas. Geralmente, essas precipitações são rápidas e volumosas e ocorrem com maior predominância na faixa litorânea.
Diário do Nordeste