A autorização do processo de beatificação de Padre Cícero Romão Batista pelo Vaticano, anunciado no último sábado (20), é um dos marcos da reaproximação da Igreja Católica com o religioso considerado “santo popular” pelos milhares de romeiros que todos os anos visitam a cidade de Juazeiro do Norte, no interior do Ceará.
Apesar do ato que dará a padre Cícero o título de “servo de Deus”, nem sempre a relação da Igreja Católica com o “Padim” foi amistosa. Tanto que ele morreu em 1934 rompido com o Vaticano por envolvimento com a política e pelo polêmico “milagre da hóstia” e a reconciliação só veio em 2015, quando a igreja o perdoou.
O g1 conversou com a historiadora Fátima Pinho, que falou sobre as polêmicas que contribuíram para a Igreja Católica se afastar de padre Cícero.
Para ela, a principal delas foi o fato de padre Cícero manter a crença de que o caso da hóstia que virou sangue na boca da beata Maria de Araújo, em 1º de março de 1889, foi uma manifestação divina. O fenômeno, que se repetiu algumas vezes durante cerca de dois anos, atraiu milhares de fiéis a Juazeiro, mas não foi reconhecido pela Igreja Católica.
“Quando a notícia se espalhou, atraindo a atenção para o que aconteceu, padre Cícero recebeu uma carta pedindo para ele retratar-se e negar o que viu. Ele chegou a responder que obedecia a igreja, mas antes da igreja obedecia a Deus. Ele não fez essa retratação e teve as ordens sacerdotais caçadas, ficando impossibilitado de celebrar missas, fazer batizados. Depois essa restrição se tornou somente para Juazeiro do Norte”, disse Fátima Pinho.
Outro agravante, conforme a historiadora, foi o fato da Igreja Católica não aceitar as romarias de milhares de homens e mulheres em busca de padre Cícero e que viam Juazeiro como uma “terra santa”.
“Padre Cícero contrariou a igreja, pois dizia que não podia proibir as pessoas de buscar uma bênção”, falou Fátima.
Envolvimento com a política
O envolvimento de padre Cícero com a política também não era visto com bons olhos pela igreja, porém, segundo Fátima Pinho, essa politização dele vinha de família.
“Padre Cícero tinha essa característica de acolhimento. Primeiro a família dele era uma família política. O tio dele, em 1860, foi eleito o juiz de paz mais votado do Brasil. O pai dele era filiado ao Partido Liberal, se candidatou a vereador e ficou na suplência. Um tio paterno dele morreu envenenado por um membro do Partido Conservador. Na adolescência ele vivenciou essa militância política”, explicou Fátima Pinho.
Padre Cícero ficou afastado da política no período em que ingressou no Seminário da Prainha, em Fortaleza. O contato só foi retomado anos depois.
“Por volta de 1910 ele começou a ter uma filiação política. No ano seguinte ele filia-se ao Partido Republicado Conservador Cearense, se torna o primeiro prefeito de Juazeiro e passa a ter uma filiação partidária”.
O episódio da Sedição de Juazeiro, ocorrida em 1914, piorou ainda mais a relação da igreja com o religioso, que sofreu retaliação.
“Se vê que a práxis política dele sempre vai ser preocupada com a situação sertaneja, no sentido de promover a cidade de Juazeiro e trazer melhoria para o local. Ao mesmo tempo, vai trazer um conflito dele com a igreja, enquanto sacerdote”, afirmou a historiadora.
Beatificação
Fátima Pinho vê padre Cícero como uma personalidade polêmica com visibilidade não só regional, mas em todo país.
“Ele era um homem de convicções. Quando o bispo pediu para ele se retratar sobre o milagre da hóstia ele preferiu manter o silêncio obsequioso, mas não se escondeu. Um exemplo disso é que ele não rompeu com a igreja católica, apesar de ter sido perseguido. Com a reconciliação foi a igreja que se reconciliou com o padre Cícero, porque ele nunca rompeu com a igreja”, disse Fátima.
Para a estudiosa, a autorização para a beatificação de padre Cícero é um processo que começou desde a década de 70 e que está sendo retomado pela Igreja Católica diante do crescimento da religião protestante.
“É um processo de resistência dos romeiros, que passaram décadas vindo a Juazeiro mesmo sem o apoio da igreja. Não dá mais para a igreja ignorar uma pessoa considerada santo nas perspectivas dos romeiros. […] É uma justiça com padre Cícero, que foi tão perseguido, e com os milhares de romeiros”, disse a estudiosa.
g1