Quem hoje vê a clara e simpática Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no distrito de Almofala, em Itarema, na região Norte do Ceará, pode nem saber que ela já esteve soterrada por toneladas de areia. Há 125 anos, uma mudança no regime dos ventos fez com que as dunas móveis do entorno invadissem e cobrissem o templo, em 1897.
O fenômeno só veio a se repetir quase meio século depois, na década de 1940, permitindo a dispersão da areia e o ressurgimento do templo. Tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) desde 1980, a igreja se tornou uma atração turística da região.
Embora seja um local protegido a nível federal, ela está aberta para visitação todos os dias – só não no domingo à tarde, como frisa o padre Ailton Ramos, pároco de Almofala.
Segundo o sacerdote, por ser muito pequena, a igreja não comporta mais toda a estrutura do distrito, mas continua recebendo missas extras, batizados, casamentos e reuniões de grupos e movimentos. Atualmente, está sendo construída outra igreja de maior capacidade para atender à população.
Thalles Walker, secretário de Meio Ambiente, Turismo e Cultura de Itarema, explica que hoje o templo está incluído no Plano Municipal de Turismo, pelo qual a Prefeitura Municipal mantém funcionários responsáveis por receber turistas no próprio equipamento.
Sobre a possibilidade de, algum dia, a Igreja ser mais uma vez ameaçada pelas dunas, o secretário considera “improvável”.
O entorno da Igreja encontra-se bem urbanizado, com fácil acesso e bem iluminado até o distrito de Almofala. A igreja hoje encontra-se no coração do distrito, que teve seu solo arenoso fixado nas últimas décadas pela ocupação humana e pelo plantio de coqueiro pelos moradores.
THALLES WALKERSecretário de Meio Ambiente, Turismo e Cultura de Itarema
O “SUMIÇO” DA IGREJA
Uma capela de taipa começou a ser construída em 1702, num terreno “doado” pelo Governo Português aos indígenas tremembés, com incentivo da missão jesuíta no Ceará. Contudo, em 1708, a estrutura em estilo barroco continuou ganhando forma com alvenaria, ferro e concreto, sendo concluída quatro anos depois.
O trabalho sacerdotal continuou por décadas até o início do incidente. Em 1897, os ventos fortes começaram a soprar areia sobre a edificação.
Aos poucos, foi-se formando uma duna próxima ao templo, se “escorando” na estrutura. O leste da igreja começou a cair com o peso da areia, que também se espalhou por várias residências do entorno. Moradores chegaram a deixar suas casas por causa do problema.
A BRIGA PELAS IMAGENS
Com o esvaziamento da vila, o bispo da Província do Ceará, Dom Joaquim José Vieira, permitiu a retirada de imagens sacras do templo e seu envio para a capela de Nossa Senhora dos Navegantes, em Itarema, a cerca de 10 km do povoado. O pedido havia sido feito pelo então vigário de Acaraú, Padre Antônio Tomás.
Em outubro de 1898, o padre foi ao local executar a transferência. Segundo relatos escritos pelo sacerdote, mais de três mil pessoas estavam presentes para a cerimônia, ainda de madrugada. Porém, as imagens não seriam retiradas pacificamente.
A multidão, emocionada, quase impediu a retirada dos santos, chegando a haver luta após a missa.
ACERVO DO IPHAN
Uma mulher chamada Joana Camelo entrou na igreja, tomou uma imagem de Nossa Senhora do Rosário e fugiu. Sem ver reação próxima, o próprio padre correu atrás dela até alcançá-la e segurou-a pelo braço, pedindo que devolvesse a peça. Com o episódio, formou-se uma confusão generalizada.
No fim das contas, os líderes do grupo de inconformados foram presos pela polícia local. Terminado o conflito, a procissão de translado das imagens seguiu e chegou a Itarema por volta de meio-dia.
Passado algum tempo, a igreja foi soterrada quase por completo – apenas um pedaço de sua torre podia ser vista de vez em quando -, e permaneceria afundada por 45 anos.
A IGREJA RESSURGE
No início da década de 1940, os ventos mudaram novamente de rumo. A areia começou a deixar o prédio, permitindo vislumbrar a torre. Animados, os moradores remanescentes iniciaram o trabalho de remoção da areia, fosse com latas, cuias, saias ou com as próprias mãos.
A ação revelou o que havia restado do templo. Do telhado, nada. As estruturas de madeira e ferro estavam corroídas, mas a alvenaria foi resistente. Em 1943, a igreja estava totalmente à vista, mais uma vez.
Foi uma festa na comunidade. Em janeiro de 1944, as imagens sacras foram devolvidas ao templo em uma grande procissão.
Em 1980, o Iphan inscreveu a igreja nos livros de Tombo Histórico e de Belas Artes. Entre 1983 e 1984, o Instituto também promoveu uma grande obra de recuperação do prédio, exemplo da arquitetura jesuíta no Brasil.
Em 2012, a cidade promoveu uma grande festa em alusão aos 300 anos de construção do prédio. O “causo” em detalhes é contado no documentário “Bailado de Vozes e Ventos em Almofala”, de 2013.
DN