Legenda: Pacobahyba ainda ressalta que, por ser uma questão há muito resolvida, a publicação da decisão não afeta em nada a cobrança do tributo.
Foto: Fabiane de Paula

Declarados como inconstitucionais, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) publicada esta semana no Diário Oficial da União (DOU), os mecanismos tributários adotados pelo Estado do Ceará em 2008 podem ter sido responsáveis pela bitributação de mercadorias e serviços vindos de outros estados. Entretanto, a questão foi resolvida definitivamente em 2015, com a Emenda Constitucional 87, de forma que a publicação da decisão não altera a aplicação da tributação.

A secretária da Fazenda do Estado, Fernanda Pacobahyba, explica que, em 2008, o Ceará começou a perceber o crescimento do comércio eletrônico e a perda de arrecadação que podia acontecer. Segundo a Constituição, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) deve ser recolhido na origem. Com as compras online, no entanto, julgou-se injusto o estado de destino não se beneficiado pela compra.

“Por exemplo, o consumidor comprava uma televisão no site da Americanas, mas o ICMS ficava todo em São Paulo, porque é uma questão prevista na Constituição. Então, foi publicado um decreto prevendo que, toda vez que o consumidor final fosse cearense, houvesse a cobrança de uma alíquota. Isso foi contestado”, afirma.

Ela diz que vários outros estados, que não tinham a prevalência dos centros de distribuição da mesma forma que São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, passaram a copiar a prática, chegando a ter 21 entes federados prevendo a cobrança na entrada. “Isso foi levado ao Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) e foi criado o Protocolo 21. Quando os estados mais fortes na questão viram que não tinham mais como ganhar, instituiu-se a Emenda Constitucional 87, em 2015, que prevê a cobrança da diferenciação de alíquotas e a repartição do ICMS entre origem e destino”, esclarece a titula da Sefaz.

Pacobahyba ainda ressalta que, por ser uma questão há muito resolvida, a publicação da decisão não afeta em nada a cobrança do tributo. “Da nossa parte, não tem aplicabilidade”, conclui.

Polêmica

O mecanismo empregado pelo Ceará gerou polêmica tornar viável uma bitributação, ou seja, a cobrança duplicada de uma mesma transação. A bitributação ocorre quando dois entes federados tributam a mesma operação, por exemplo, quando dois estados cobram imposto sobre o mesmo fato gerador.

Schubert Machado, advogado tributarista e diretor do Instituto Cearense de Estudos Tributários (Icet), pontua que pode ter ocorrido também a tributação bis in idem, que ocorre quando é o mesmo ente federado que tributa mais de uma vez a mercadoria ou serviço. “Em alguns casos e principalmente como é para tentar neutralizar incentivos dados por outros estados, é bitributação”, pontua Machado sobre os mecanismos usados pelo Ceará.

“Um dos pontos que eu costumo destacar é que os estados destruíram o ICMS, imposto que tem o seu perfil traçado na Constituição. A Constituição indica que ele incide na saída e que tem um crédito decorrente dessa operação, que é aproveitado por quem compra. Quem compra, quando promove uma nova saída, tem uma nova incidência, aproveitando o crédito da operação anterior. Essa é a sistemática padrão básica do ICMS e os estados destruíram isso ao cobrar na entrada, por diferença de alíquota, por carga líquida, de tudo que é jeito, independentemente dessa estrutura de não-cumulatividade. Isso leva à bitributação, bis in idem e uma porção de distorções que vão decorrer de uma situação específica”, avalia o advogado tributarista.

Com a decisão do STF, o advogado tributarista explica que caberia devolução dos impostos pagos pelos contribuintes nos últimos cinco anos, devendo ser corrigida pela taxa básica de juros, a Selic. No entanto, a Emenda Constitucional 87 regulariza a situação.

Além disso, o vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil no Ceará (OAB-CE), Hamilton Sobreira, detalha que a decisão do STF modulou a sua validade para o mês seguinte ao julgamento, passando a valer, portanto, em setembro. “Nesse caso, não caberia a devolução, pois a decisão só entra em vigor no próximo mês. Quem pagou para trás, não tem direito de pegar de volta”, arremata.

Ele ainda esclarece que, apesar da Emenda Constitucional 87 possibilitar a cobrança do ICMS na entrada, ela não torna a lei anteriormente utilizada constitucional, situação à qual diz respeito a recente publicação do STF.

Estímulo ao litigioso

Ainda sobre o caráter da decisão do Supremo, com a modulação, Machado avalia que decisões dessa natureza podem estimular o litigioso. “A decisão diz a declaração de inconstitucionalidade tem efeitos a partir do mês seguinte ao do julgamento, com ressalva às ações judiciais em curso. Ou seja, quem já entrou na Justiça poderia ter direito à devolução, quem não entrou perdeu. Isso faz com que os contribuintes entrem com ação em caso de dúvida, porque quando o Supremo decidir, anos depois, que eles (contribuintes) estão certos, só vai se beneficiar quem já tiver ação”, dispara.

Histórico

Por unanimidade, em 2018 o Plenário do Supremo já havia considerado inconstitucional o artigo 11 da lei estadual nº 14.237/2008. Ela impõe o recolhimento do ICMS correspondente a carga tributária líquida entre 3% e 10% sobre o valor determinado no documento fiscal na entrada de mercadorias destinadas a pessoa física ou jurídica não inscrita na Secretaria da Fazenda do Ceará. A certidão de trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso) foi emitida no dia 14 de agosto.

Os artigos 1º e 2º do decreto estadual 30.542/2011, que alteram trechos da lei de 2008, também foram entendidos pelo Supremo como inconstitucionais.

De acordo com o artigo 1º do decreto de 2011, “nas entradas de mercadorias ou bens procedentes das unidades federadas signatárias do Protocolo ICMS nº 21/2011, em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem de forma não presencial por meio de Internet, telemarketing, showroom ou qualquer outra modalidade, será exigido, nos termos deste Decreto, a parcela do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS – devida na operação interestadual”.

O artigo 2º se refere à venda feita por empresas cearenses para as outras unidades da Federação. “Nas operações interestaduais destinadas às unidades federadas signatárias do Protocolo ICMS nº 21/2011, o estabelecimento remetente, sediado neste estado, na condição de substituto tributário, será o responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela de que trata o art. 1º”.

A decisão do Supremo publicada no DOU diz que, “a pretexto de corrigir desequilíbrio econômico, os entes federados não podem utilizar sua competência legislativa concorrente ou privativa para retaliar outros entes federados, como pretendeu o legislador estadual ao editar a Lei nº 14.237/08″.

Política tributária

Machado lembra que esses mecanismos fazem parte de uma questão de política tributária para compensar ou combater, por exemplo, incentivos oferecidos por outros estados que vendem a mercadoria. “A política tributária ou política fiscal é algo que fica paralelo à legislação, mas é preciso que a política tributária tenha apoio na constituição. Não é possível fazer uma política tributária ignorando o que a Constituição diz”, ressalta.

 

Nordeste Notícia
Fonte: Diário do Nordeste

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