Ter um carro zero km ainda é objeto de desejo de muitos brasileiros. O item de consumo, em nossa sociedade, tem muitos significados, mas para o trabalhador, pode ser tratado até mesmo como sinônimo de sucesso. Porém, chegar nessa conquista tem se tornado cada vez mais inalcançável para as classes mais baixas.
Isso porque para o brasileiro que ganha um salário mínimo e pretende comprar um ‘carro popular’ é preciso trabalhar 51,6 meses, ou seja, mais de quatro anos, sem gastar com mais nada e nem levando em conta os reajustes do bem que ocorrem nesse período.
Usando como base de cálculo o valor médio do carro “mais barato” do mercado, de R$ 72.990 e os R$ 1.412 do salário mínimo é possível ter uma ideia de algum dos motivos pelos quais o carro não é mais chamado de “popular”, mas sim de “entrada”, tendo em vista que não é mais atingível para grande parte da população.
Em 2019, nessa mesma relação, salário mínimo X carro “mais barato”, era necessário 32,3 salários para ter um dos dois carros de menor valor. Na época o salário mínimo era de R$ 998 e os veículos mais acessíveis, o Renault Kwid Life (R$ 32.290) e o Fiat Mobi Easy (R$ 32.529). Ambos ainda fabricados e figurando nas primeiras posições do ranking de carros mais baratos do País.
Ou seja, o salário mínimo de 2019 para 2024 aumentou 41,4%. Já o valor do Fiat Mobi subiu 124,3% e o Renault Kwid 131%.
10 carros 0 KM mais baratos em 2024*
- Fiat Mobi 1.0 Like – R$ 72.990
- Renault Kwid 1.0 Zen – R$ 74.590
- Citroën C3 1.0 Live – R$ 74.790
- Hyundai HB20 1.0 Sense Plus – R$ 84.390
- Renault Sandero 1.0 Stepway Zen – R$ 84.470
- Fiat Argo 1.0 – R$ 84.990
- Chevrolet Onix – R$ 86.150
- Volkswagen Polo 1.0 Track – R$ 87.990
- Peugeot 208 1.0 Like – R$ 89.990
- Fiat Cronos 1.0 Drive – R$ 93.990
*preços sugeridos em pesquisa no Google no mês de agosto
Quando o carro popular morreu?
Segundo a diretora-executiva da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores no Ceará (Fenabrave CE), Ana Paula Furtado, a expressão “carro popular” começou a perder força no Brasil a partir de 2015. Ela lembra que inicialmente, carros populares eram veículos “compactos, de baixo custo e motorização reduzida, acessíveis à classe média e trabalhadores”.
“A mudança para o termo ‘carro de entrada’ reflete não apenas uma mudança de nomenclatura, mas também uma elevação nos padrões de qualidade, tecnologia e, consequentemente, preço dos veículos mais acessíveis”.
Sobre atualmente, o preço médio de um carro de entrada ser em torno de R$ 73 mil, Ana Paula comenta que o aumento de valores ocorre também a partir de 2015, quando o Brasil passava por uma crise econômica.
“Isso levou à desvalorização do Real e ao aumento dos custos de produção (dos carros), além dos avanços tecnológicos e a adoção de novos padrões de segurança e emissões (de gases), contribuindo para a elevação dos preços”.
Por conta desses elementos citados acima, ocorreu uma mudança no perfil dos consumidores, os levando à migração para alternativas de mobilidade, como carros seminovos, serviços de aluguel de veículos e aplicativos de transporte.
Além disso, a diretora da Fenabrave aponta uma mudança no perfil de carro que quem estava podendo comprar buscava, que são SUVs (veículos utilitários esportivos chamados pelo mercado através da sigla em inglês). “Isso fez as montadoras focar na produção desses modelos em detrimento dos compactos (veículos de valor agregado menor)”.
Quem é o público comprador de um carro de entrada?
Levando em conta o valor do carro de entrada, cerca de R$ 73 mil (veja lista abaixo), quem pode comprar esse bem de consumo são pessoas com rendimentos mensais que variam entre R$ 6 mil e R$ 10 mil. Assim, para ter um carro zero, é necessário ser da classe média, ter estabilidade financeira e acesso a crédito – levando em conta que na maioria das vezes o veículo tem parte do valor financiado.
Fique atento na hora de fechar o negócio
O economista Allisson Martins reforça que a realização de financiamento de veículo, em razão dos preços praticados atualmente, exige uma maior atenção dos consumidores.
Caso mal dimensionado, o valor da prestação pode implicar em sérios problemas no orçamento familiar. Desta forma, recomenda-se que o valor da prestação não exceda a 20% do orçamento total.
“As taxas de juros, segundo publicação do próprio Banco Central, podem variar de 0,86% a.m. até 3,25%. Assim, caso os juros sejam maiores, a necessidade de renda poderá ser ainda maior. Por fim, vale lembrar que o veículo, além da prestação, tem outras várias despesas, como combustível, manutenção, seguro, licenciamento, imposto, entre outros”.
Perspectivas para o segundo semestre e 2025
Sobre as perspectivas para o mercado automobilístico no segundo semestre deste ano e em 2025, a diretora-executiva da Fenabrave CE afirma que o mercado está com uma postura de “cautela”.
“A inflação e a instabilidade econômica são fatores que podem continuar pressionando os preços. No entanto, há esperanças de que novas políticas governamentais de incentivo ao setor possam aliviar um pouco esses custos”, diz Ana Paula.
Ela ainda reforça que a introdução de modelos mais econômicos ou eletrificados, com menores custos de produção a longo prazo, também pode ser uma saída. Contudo, uma queda significativa nos preços dos carros de entrada ou a introdução de modelos ainda mais baratos no mercado parece improvável sem mudanças estruturais importantes.
Como exemplo dessas mudanças, estão a redução de impostos como IPI, ICMS e PIS/Cofins. A promoção de incentivos fiscais e financeiros para fabricantes nacionais e firmar acordos comerciais para facilitar a importação de peças e veículos a custos mais baixos pode ajudar a reduzir preços.
Oferecer linhas de crédito com juros mais baixos e condições mais acessíveis pode aumentar o poder de compra dos consumidores, permitindo maior volume de vendas e possíveis reduções de preços, assim como estimular a entrada de novas montadoras e marcas no mercado brasileiro pode aumentar a concorrência e levar à queda de preços.