“Quem for CV aqui vai morrer!”

Em um fim de tarde em novembro de 2018, na periferia da região sudeste de Fortaleza, duas mulheres e um homem anunciavam um assalto em um ônibus da linha 653-Santa Fé que passava pela BR-116.

Além de recolher as bolsas e celulares dos passageiros – a grande maioria de moradores da região – os bandidos ameaçavam matar quem entre eles fosse membro do Comando Vermelho, facção criminosa nascida no Rio de Janeiro que atua no Ceará.

No ano passado, os assaltos a ônibus como aquele, em que motorista e cobrador foram rendidos por bandidos armados, caíram pela metade na capital cearense – foram de pouco mais de 6 por dia para 3.

O número, entretanto, fazia pouco sentido pra quem estava dentro do coletivo naquela hora. De acordo com o Sindiônibus, que representa as empresas do setor, as áreas próximas da rodovia federal continuavam visadas pelos criminosos.

E não por acaso: a periferia no extremo sudeste da cidade é uma das regiões mais disputadas pelas facções criminosas que promoveram ataques na capital cearense por quase 30 dias consecutivos no primeiro mês de 2019.

O mesmo rio Cocó que serpenteia por bairros nobres de Fortaleza antes de desaguar no mar da Praia do Futuro é a divisa natural de duas grandes áreas de influência do crime organizado no trecho antes da arena Castelão, onde o turismo não chega.

 — Foto: Arte/BBC

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Parte da área imediatamente à esquerda do rio – bairros como Boa Vista, Barroso II, Passaré – é dominada pela facção local Guardiões do Estado (GDE).

No lado direito – Cajazeiras, Barroso I, Ancuri – atua o Comando Vermelho.

Mas as fronteiras são fluidas: pichações com as siglas de grupos criminosos e ameaças aos rivais são sintomas de uma disputa por território que transformou Fortaleza em uma das cidades com o maior número de mortes violentas no Brasil.

Entre as regiões metropolitanas, ela ocupa a pior posição, de acordo com dados mais recentes do DataSUS, que ainda são preliminares. São 86,7 homicídios para cada 100 mil habitantes. Na grande Natal, que ocupa a segunda posição, o índice é de 83,3.

Contar a história dessa área da periferia de Fortaleza é como colocar uma lupa sobre essas estatísticas. Essa é a trajetória dos bairros do Conjunto Palmeiras, Ancuri e Pedras, contada por moradores de um conjunto habitacional chamado Santa Fé, que fica no Ancuri.

‘Morria muita gente aqui’

A diarista Márcia*, que estava no ônibus sequestrado pelos bandidos quando voltava do trabalho, viu pela primeira vez as inscrições “CV” nos muros próximos à sua casa no Santa Fé há cerca de dois anos.

“Eu não sabia nem o que era aquilo.”

Ela demorou a entender que aquelas iniciais estavam por trás do “acidente” que levou o irmão de um conhecido a perder uma perna e do assassinato brutal do marido de uma amiga, espancado até a morte com uma ripa de pau, à noite, no meio da rua.

“Morria muita gente aqui.”

 — Foto: Arte/BBC

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A Secretaria de Segurança Pública do Ceará não disponibiliza estatísticas por bairro da capital, mas um cálculo grosseiro feito a partir dos dados das Áreas Integradas de Segurança (AIS) dá dimensão do que a moradora quer dizer.

Em 2018 foram registrados 167 crimes violentos letais intencionais na AIS 3, que engloba o Ancuri, bairro onde o Santa Fé está localizado, e outros 12 da região – um total de 256 mil pessoas.

São 65,2 homicídios para cada 100 mil habitantes, praticamente o dobro do registrado na AIS 1 (33,6), que concentra a maior parte dos bairros nobres da cidade.

Quase 60% dos moradores do conjunto Santa Fé, que está no bairro do Ancuri, não completaram o ensino fundamental — Foto: Reprodução/Google

Quase 60% dos moradores do conjunto Santa Fé, que está no bairro do Ancuri, não completaram o ensino fundamental — Foto: Reprodução/Google

O índice é alto, mas significativamente menor do que em 2017, quando a AIS 3 contabilizou 98 mortes para cada 100 mil habitantes, índice próximo ao registrado entre algumas das cidades mais violentas do México, por exemplo.

Taxas de homicídio acima de 10 são consideradas epidêmicas pela OMS (Organização Mundial de Saúde).

No Santa Fé vivem cerca de 5 mil pessoas – um quarto do total do bairro do Ancuri, onde o conjunto habitacional está localizado – distribuídas em casas conjugadas em uma sequência de ruas quase todas sem calçamento.

A renda média por habitante, de acordo com uma pesquisa feita pela Igreja Batista Central da comunidade em parceria com o curso de Arquitetura da Universidade Federal do Ceará (UFC), é de R$ 413. Quase 60% dos moradores não concluíram o ensino fundamental.

São diaristas como Márcia, costureiras, mecânicos, cozinheiras, vigias, descarregadores de caminhões, pedreiros, ambulantes, catadores. A grande maioria nunca teve a carteira de trabalho assinada.

A quase 20 km dali, os moradores do bairro Meireles – o mais rico da cidade – têm rendimento 9 vezes maior, de R$ 3.659,54, como consta nos dados mais recentes do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece).

O Ancuri ocupa a 102ª posição entre os 119 bairros mapeados no ranking da renda.

O último lugar é do vizinho Conjunto Palmeiras, berço da facção Guardiões do Estado.

 — Foto: Arte/BBC

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Campo de concentração de flagelados da seca

O Conjunto Palmeiras tem origem na década de 1970, conta o professor do departamento de Arquitetura da UFC Renato Pequeno, quando a prefeitura de Fortaleza dá início a um processo de “periferização” de favelas localizadas em áreas da cidade que começavam a se valorizar.

Os primeiros moradores do bairro vinham do Arraial Moura Brasil, uma favela à beira mar que foi parcialmente removida e deslocada para o conjunto habitacional nos limites da cidade, a 17 km. No lugar dela surgiriam, anos mais tarde, a avenida Leste-Oeste e o Marina Park, ainda hoje o hotel mais luxuoso da cidade.

Visada pelo mercado imobiliário nos anos 70, essa área também nasceu em um contexto de pobreza e exclusão, destaca o pesquisador do Observatório das Metrópoles, muito anterior às remoções violentas patrocinadas pelo Programa Integrado de Desfavelamento (PID).

Antes de ser Arraial Moura Brasil, a comunidade tinha sido o Campo do Urubu – um dos 7 campos de concentração erguidos no Ceará nas primeiras décadas do século 20 para aglomerar os retirantes da seca que vinham do interior do Estado e “higienizar” a paisagem urbana.

“Fortaleza já nasceu segregada”, diz Pequeno.

Os campos de concentração eram construídos pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) — Foto: Divulgação

Os campos de concentração eram construídos pelo Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) — Foto: Divulgação

A capital assistiu a três grandes ciclos de migração de “flagelados”: em 1877, em 1915 – processo retratado no livro O Quinze, de Rachel de Queiroz – e em 1932.

Ainda no fim do século 19, 30% das moradias na cidade de Fortaleza eram barracos de palha – nos quais viviam, na grande maioria, migrantes fugindo da seca.

Os campos de concentração, conforme relata a historiadora Kênia Rios, foram propostos – com essa nomenclatura – pela elite de Fortaleza como uma espécie de política humanitária, intenção que só existiu no papel.

Os dois que estavam localizados na capital – o Urubu e o Alagadiço – tinham capacidade para 2 mil ou 3 mil pessoas, mas chegaram a confinar até 8 mil.

A estruturas extremamente precárias dividiam homens e mulheres e eram vigiadas ininterruptamente por soldados de 23º Batalhão Policial. Só se podia sair com autorização – em geral concedida apenas àqueles empregados em obras públicas na capital.

“A exploração da mão de obra nesses lugares é uma coisa impressionante. As pessoas trabalhavam em troca de um prato de comida”, diz a historiadora.

Em abril de 1933, a chuva voltou a cair no sertão e os campos de concentração do Estado começam a ser desativados.

O governo chegou a distribuir passagens de ônibus e algumas sementes para garantir que os retirantes voltassem para suas cidades de origem.

Sem perspectiva, entretanto, muita gente ficou.

“Esse é o momento em que o flagelado vira favelado”, diz a professora do departamento de História da UFC.

Décadas depois, o Conjunto Palmeiras viraria destino não apenas daqueles que foram removidos da favela do Arraial Moura Brasil, mas de dezenas de famílias que habitavam comunidades pobres localizadas em áreas que se tornavam interessantes para o mercado imobiliário.

“Essa nova periferia era espacial e socialmente afastada da área central de Fortaleza. No José Walter (conjunto habitacional vizinho ao Palmeiras), pra você ter uma ideia, só passava ônibus duas vezes por dia – pra levar o morador para o serviço e trazê-lo de volta. Isso acaba sendo um novo confinamento.”

As dezenas viraram centenas e hoje o Conjunto Palmeiras soma 36 mil moradores. Tem a pior renda média entre os 119 bairros da capital e é o segundo pior em termos de extrema pobreza.

Lá, 17,2% dos habitantes sobrevivem com renda domiciliar mensal menor que R$ 70, conforme o Ipece.

Entre os ataques promovidos no início do ano, criminosos incendiaram caminhão carregado de frangos vivos — Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Entre os ataques promovidos no início do ano, criminosos incendiaram caminhão carregado de frangos vivos — Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Violências “invisíveis” como a falta de saneamento básico, de equipamentos de lazer, escolas, de hospitais e postos de saúde viraram terreno fértil para gangues locais que, depois dos anos 2000, se organizaram em torno das quadrilhas de traficantes e das facções que chegaram do Rio e de São Paulo.

O enredo é parecido em praticamente todo o “cinturão de pobreza” em volta da área mais central de Fortaleza, diz o pesquisador do Laboratório de Violência da UFC Luiz Fabio Paiva.

No Conjunto Palmeiras, particularmente, a equação deu origem, por volta de 2015, a uma facção batizada de Guardiões do Estado – que atua em paralelo, por sua vez, a PCC, CV e Família do Norte, que tem origem no Amazonas.

“As facções possibilitaram a organização do crime que atuava em regiões diferentes.”

Do vazio demográfico ao vazio do Estado

Vizinha do Conjunto Palmeiras, Beth* lembra quando chegou ao conjunto Santa Fé, no início dos anos 90.

Não havia coleta de lixo e a Cagece distribuía água um dia sim, outro não – os moradores recorriam a uma “cacimba” nas proximidades quando as torneiras secavam.

Nos anos 2000, o serviço foi regularizado, três ruas como nomes de santas ganharam calçamento – Nossa Senhora de Lourdes, de Fátima e Aparecida – e, com pressão de uma igreja batista, a IBC, foi aberto um posto de saúde.

O pastor Armando Bispo, nascido na zona norte de São Paulo e com passagem pelos Estados Unidos, chegou ao conjunto habitacional em 98, quando decidiu tirar a igreja do ginásio de uma escola particular no bairro nobre do Papicu e levá-la a um lugar onde pudesse cumprir a “verdadeira vocação” de cuidar do outro.

“Foi quando a gente tomou a decisão de mudar para uma região considerada perigosa, abandonada, terra de ninguém.”

O terreno de 210 mil metros quadrados em que até hoje funciona a igreja costumava ser um local de depósito de cargas roubadas de caminhões de cruzavam a BR-116.

Beth está entre os moradores que falam com entusiasmo da chegada da IBC. As latas de lixo instaladas na calçada ajudam a suprir a deficiência da coleta feita pela prefeitura e o espaço para as crianças durante o culto alivia o fardo das mães que trabalham e cuidam da casa. “O pastor Armando não se intimida com bandido”, diz ela.

“O ‘código de ética’ do tráfico é não mexer com a igreja evangélica, e aqui não é diferente”, sentencia o pastor.

Uma de suas histórias preferidas é sobre um menino de 14 anos que vinha causando problemas no bairro no ano passado. “Eu peitei ele, disse que não adiantava ficar ameaçando todo mundo. Quando cheguei na casa do garoto, a 300 metros da igreja, eram 9 pessoas vivendo em um quadrado. O banheiro era um buraco no quintal.”

Com a ajuda da Casa de Misericórdia, a IBC ajudou a família a construir uma residência melhor, e vem fazendo isso gradativamente com moradores do conjunto. “Um quarto das casas aqui não tem banheiro.”

'O que a gente vê aqui é a ausência absoluta do poder público', diz o pastor Armando — Foto: Divulgação/IBC

‘O que a gente vê aqui é a ausência absoluta do poder público’, diz o pastor Armando — Foto: Divulgação/IBC

Beth mora em um espaço bom, que construiu com a ajuda de parentes e vizinhos em esquema de mutirão – como a maioria dos vizinhos, porém, ela não tem os documentos da casa própria.

Boa parte do conjunto foi erguido através de uma Sociedade Comunitária de Habitação Popular (SCHP) organizada pela própria prefeitura nos anos 90, mas que até hoje não foi regularizada.

O problema não é uma exclusividade do Santa Fé, segundo a professora Clarissa de Freitas, do departamento de Arquitetura da UFC. Dezenas de comunidades estão na mesma situação.

“Isso talvez seja uma particularidade de Fortaleza: esses são conjuntos habitacionais ilegais. É o próprio Estado agindo na ilegalidade”, ressalta a urbanista, que pesquisa a questão da regularização fundiária na cidade.

“Muita gente não faz essa ligação, mas isso está muito conectado à questão da violência. As pessoas se sentem menos cidadãs, com menos direitos. O Estado vira inimigo.”

Toque de recolher

Dominado pelo tráfico, o Santa Fé é considerado por boa parte dos moradores um lugar “tranquilo, por incrível que pareça”.

A disputa por território com os rivais da GDE, que domina o Conjunto das Palmeiras, e as punições àqueles considerados traidores fazem dos homicídios violentos parte do cotidiano, mas “eles se matam entre eles”.

O medo, entretanto, regula a rotina.

Boa parte do Santa Fé tem saneamento inadequado — Foto: Reprodução/Google

Boa parte do Santa Fé tem saneamento inadequado — Foto: Reprodução/Google

No início dos anos 90, Leda* e os amigos do bairro costumavam caminhar aos fins de semana pouco mais de 5 km pela rodovia CE-040, que cruza a BR-116 nos limites do conjunto, para chegar a um clube chamado Valeu Boi.

A casa noturna, frequentada pela elite de Fortaleza, cobrava caro pela entrada. “A gente ficava ouvindo forró do lado de fora. Era bom demais.”

Hoje, pouca gente no Santa Fé sai depois das dez da noite.

Mesmo dentro de casa, fala-se baixo e não se comentam certos assuntos porque, com os imóveis colados uns nos outros, “todo mundo sabe o que todo mundo faz” – e ninguém quer ser considerado traidor pelos “grandões” do Comando Vermelho.

A disputa entre facções rivais impõe ainda um outro toque de recolher. Muita gente não se sente seguro para visitar os parentes que moram em comunidades dominadas por outras siglas.

Os vizinhos Curió e Santa Maria, por exemplo, são chefiados pelo Comando Vermelho, mas o Palmeiras e o Conjunto Alameda das Palmeiras são áreas de domínio da GDE, que tem fama de ser mais cruel do que as facções fluminense e paulista.

“A questão da crueldade acabou virando forma de demonstração de poder das facções. Com a GDE, que não tem ‘regras’ consolidadas e possui uma hierarquia menos clara, eram comuns as mutilações, casos em que as vítimas eram queimadas vivas”, diz César Barreira, também do LEV-UFC.

Ao contrário de PCC e CV, a GDE não cobra filiação ou mensalidade.

“Isso atraiu todo tipo de jovem inconsequente, que queria brincar de ser bandido”, diz uma fonte ligada à Segurança Pública do Estado que não quis se identificar.

A chegada do Minha Casa, Minha Vida

Os relatos de recrudescimento da violência entre os moradores do Santa Fé coincidem com a inauguração, em 2016, de um conjunto habitacional do Minha Casa Minha Vida (MCMV) do outro lado do anel viário, no bairro Pedras.

Hoje com 5 mil unidades, o Alameda das Palmeiras ganhou as manchetes locais quando, em 2017, um motorista de Uber foi morto a tiros na entrada do conjunto.

Guilherme Maia, na época com 22 anos, não viu o aviso no muro: “Adentra, tire o capacete e, carro abaichi (abaixe) os vidros. Se roubar na favela, morre. Assinado, crime 745 (sic)”. Os números seriam uma suposta alusão à GDE.

Em dezembro do mesmo ano, dois corpos carbonizados foram encontrados também na entrada da comunidade.

“Aquele lugar foi construído de uma forma estranha, só tem uma entrada, um beco”, diz o pastor Armando Bispo.

O professor Renato Pequeno ressalta que, até 2012, os projetos do MCMV na capital cearense tinham no máximo 500 unidades. Depois de um pedido feito pelas construtoras participantes do programa, a Caixa subiu esse limite para 5 mil.

“Aí você tem esses conjuntos enormes construídos em locais afastados – porque as empresas vão procurar os lugares mais baratos possíveis pra construir – e praticamente sem equipamentos públicos no entorno”, ele critica.

Outra questão, acrescenta Clarissa Freitas, é a “privatização dos espaços públicos” nos empreendimentos, que são todos murados. “A polícia só entra lá com mandato.”

Assim como o Alameda, conjuntos como o Cidade Jardim I e II, cada um com cerca de 5,5 mil unidades, e José Euclides da Cunha, com 5 mil, hoje são dominados por facções criminosas.

São frequentes os casos de expulsões de moradores por traficantes, que revendem os imóveis ou os repassam para amigos e parentes.

Em ação movida na Justiça Federal para devolver as residências aos proprietários legais, promotores do Ministério Público Federal e Estadual ponderaram que a Caixa Econômica não deveria financiar empreendimentos em áreas sem infraestrutura.

Região metropolitana

A história da periferia de Fortaleza transborda para a região metropolitana, onde os índices de homicídio são ainda maiores do que na capital.

Fabiano Lucas, pesquisador do departamento de Geografia da UFC que trabalhou com dados de mortes violentas da RM antes do contexto das facções criminosas, ressalta que os municípios em pior situação são aqueles mais integrados à dinâmica de Fortaleza – cidades como Maracanaú, Caucaia e Eusébio.

A região metropolitana soma 18 municípios – em praticamente todos eles, o índice de homicídios passa de 100 para cada 100 mil habitantes.

Uma dessas cidades, Aquiraz, foi palco do assassinato de um dos líderes do PCC. Em fevereiro de 2018, o corpo de Gegê do Mangue – que morava em um condomínio fechado na região – foi encontrado em uma reserva indígena no município.

“Nós tivemos grandes apreensões no Porto das Dunas (localizado no município de Aquiraz), e não por acaso: o lugar é uma cidade estruturada praticamente sem nenhum controle (do Estado)”, diz uma fonte ligada à Segurança Pública do Estado de Ceará que não quis se identificar.

Gegê do Mangue não foi o único chefe da facção paulista que passou pelo Ceará: dois anos antes, Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior – irmão de Marcola, apontado como número 1 da facção paulista – foi preso na cidade de Fortaleza.

Ele, o irmão e outros 20 líderes do PCC foram transferidos em fevereiro do presídio de Presidente Venceslau (SP) para penitenciárias federais em Porto Velho (RO), Brasília e Natal (RN).

A segurança e a sensação de segurança

Em paralelo à pobreza e à total ausência de Estado nas regiões tomadas pelo tráfico, duas fontes ligadas à Segurança Pública apontaram falhas na política penitenciária e na gestão das polícias como as razões por trás do aumento exponencial da violência em Fortaleza na última década.

Ambos destacaram que diferentes gestões deram prioridade à sensação de segurança – com criação de dispositivos como o Ronda do Quarteirão, implantado na gestão Cid Gomes (PROS), e o Batalhão de Policiamento de Rondas de Ações Ostensivas e Intensivas (Raio), lançado no governo de Camilo Santana (PT) – em detrimento da segurança em si.

Teria faltado investimento em inteligência e a promoção da integração das polícias.

“Eles demoraram a admitir que existia facção no Ceará”, acrescenta uma das fontes, ligada à polícia militar. As apreensões de drogas com identificação do PCC no Estado começaram a pipocar em 2010, diz ela. O CV teria chegado ainda antes.

A administração das penitenciárias do Estado também foi criticada.

Nesse sentido, eles citam desde a separação dos detentos por facções dentro dos presídios – a promessa de revogação dessa prática prometida pelo novo secretário de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque, é apontada como uma das razões para a sequência de ataques realizados no Ceará em 2019 – a um excesso de permissividade dentro da cadeia.

Ao assumir a Secretaria de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque afirmou que os presos não seriam mais divididos por facção nas cadeias do Estado — Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Ao assumir a Secretaria de Administração Penitenciária, Mauro Albuquerque afirmou que os presos não seriam mais divididos por facção nas cadeias do Estado — Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Além de liberar – se não no papel, mas na prática – a entrada de celulares e televisores, diz uma fonte, a administração chegou ao ponto de promover o que ficou conhecido como “pernoites do amor”: desde o início dos anos 2000, os detentos podem receber parceiras sexuais no Dia do Presidiário, no Natal e no Dia das Mães.

“Houve um afrouxamento e o crime se fortaleceu”, ressalta essa mesma fonte.

Coincidência ou não, os membros da GDE do Conjunto Palmeiras dizem que “saíram da faculdade” quando acabam de cumprir pena nos presídios do Estado.

Naquela tarde de novembro em que o ônibus que a trazia Márcia do serviço foi sequestrado, ela não chegou a ser roubada.

Estendeu a bolsa, mas os assaltantes, que pareciam ter pressa, foram embora antes de alcançá-la.

A ameaça do início se mostrou apenas frase de efeito – os bandidos não mataram nem feriram ninguém no coletivo.

O dinheiro que ela ganhou pelo dia de trabalho engordou as economias reservadas para realizar um sonho já de muitos anos: comprar uma casa no bairro de Messejana.

*Os nomes de todos os moradores entrevistados pela reportagem foram preservados por questões de segurança.

Colaborou Amanda Rossi, da BBC News Brasil em São Paulo

Nordeste Notícia
Fonte: BBC
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